Relatos açorianos - Ilha de São Miguel
Ouço três batidas insistentes na porta do quarto. "Um pouco estranho", penso rapidamente. O hotel em Ponta Delgada está praticamente vazio; em razão da debandada de viajantes provocada pela covid, não há outros hóspedes nos 9 quartos do estabelecimento. E neste momento, sou a única pessoa no prédio: a recepcionista limitou-se a me receber, informar sobre o quarto, deixar comigo as chaves, inclusive da porta externa do hotel; e foi-se embora. Mas a cidade é tranquila e segura e portanto abro a porta. Do lado de fora está uma mulher já idosa, baixa, de óculos. Parece agitada e tenta me explicar, em raso inglês, que está assustada com algo no andar de cima. É outra hóspede, que chegou sozinha depois de mim. Subo com ela as escadas e entro no seu quarto, um pouco menor e mais acanhado que o meu. Utilizando o tradutor do Google, relata-me que ouvia barulhos fortes no teto, que, garante ela, cessaram no exato momento em que entrei no quarto. Exercitando o meu escasso francês, pois percebo que é o idioma original dela, especulo sobre a possibilidade de serem vizinhos ou um gato. A mulher, todavia, não parece se apaziguar e continua a repetir que considera muito estranho que os barulhos que ouvia sozinha tivessem cessado quando entrei no quarto. Acalmo-a como posso e volto para o meu quarto.
No dia seguinte encontro-a no refeitório do hotel. Somos somente nós dois e a recepcionista, que reapareceu para servir o café da manhã (pequeno almoço). A mulher é francesa, pergunto-lhe em que cidade mora. "Não tenho casa, estou a viajar há 12 anos", responde. Está com 74 anos de idade e deixou a França com 62, continua. E vai enumerando os países em que já esteve, em alguns deles por vários meses: China, um país próximo da Índia de que não se lembra o nome, leste europeu, Itália. Olho-a surpreso. É uma mulher comum, não faz o estilo descolado ou alternativo característico dos globetrotters que algumas vezes encontrei em viagens.
Finalizo o café da manhã e, ao ver que vou-me embora, ela pergunta: "Onde vais hoje?". Percebo que procura uma conexão, é quase um autoconvite para passearmos juntos. Hesito. Tenho um veículo alugado disponível por dois dias, um recurso praticamente indispensável nas maiores ilhas açorianas. Uma companhia seria bem vinda, tanto pela convivência quanto pela divisão dos custos. Mas não. Há algo no olhar e no comportamento dessa mulher que não me parece confiável. Despeço-me cordialmente e deixo o hotel para mais um dia na Ilha de São Miguel, o meu primeiro destino no Arquipélago dos Açores.
Ponta Delgada é uma cidade moderna, estruturada, com belos exemplares arquitetônicos e artísticos calçadões e calçadas. É servida por autocarros e minibuses que fazem a circulação interna e chegam aos núcleos mais próximos. Conecta-se às demais zonas da ilha por meio de excelentes autopistas e rodovias. Com apenas 46 mil habitantes, é não obstante uma cidade cosmopolita, habituado ao fluxo de imigrantes e turistas. E é, principalmente, a maior cidade do arquipélago e a capital econômica da Região Autônoma dos Açores. Com mais de 500 anos de implantação do núcleo povoador original, já no final do século XVI ganhara a importância que mantém até hoje: "primeiro foi solitário ermo, saudoso lugar e pobre aldeia, e depois pequena vila, a que agora é grande, rica, forte e tão afamada cidade" (Gaspar Frutuoso, 1586-1590).
Mas percorro também o interior da ilha, pontuado por impressionantes lagoas, todas elas de origem vulcânica. O meu primeiro contato com essa paisagem interior é a partir de um miradouro na beira da estrada que leva de Ponta Delgada a Sete Cidades. Dali contemplo, boquiaberto diante da beleza pictórica da paisagem, as três lagoas, cercadas por colinas baixas, tendo numa das margens a pequena vila de Sete Cidades, um núcleo de apenas 793 habitantes. Depois desço até a vila, circulo pelas suas ruas e por um parque urbano e caminho pela margem das lagoas.
Nessa que é a maior ilha do arquipélago, cuja conformação geográfica se assemelha a um retângulo deitado, fascinam-me os pontos extremos. O núcleo urbano mais ocidental da ilha é Mosteiros, no qual almoço depois da visita a Sete Cidades. No extremo oposto do retângulo está a vila de Nordeste, o núcleo urbano mais oriental de São Miguel. De um dos miradouros da vila contemplo a magnífica vista das falésias batidas pelas ondas do mar. Numa ponta formada por essas falésias está instalado, desde 1876, o Farol do Arnel, o primeiro desses equipamentos de sinalização implantado na Região Autônoma dos Açores.
Farol do Arnel
Avaliação pessoal e subjetiva das atrações que visitei na Ilha de São Miguel, numa escala de 0 a 5, sendo 5 a melhor nota
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