Relatos peruanos 4 - Cusco, a joia do Peru
A frase do título me fora dita - ou melhor, escrita - por Cristina, a gentil peruano-espanhola que me ajudara na organização do roteiro pelo Peru. Passei horas no Whatsapp com essa proprietária de agência de turismo em Cusco e por vezes me perguntava, durante a conversa virtual, se não estávamos exagerando nessa espécie de consultoria gratuita de viagem. Sim, é verdade que eu e Brito compramos na sua agência alguns dos "pacotes" que utilizamos no país. Mas Cristina foi bem além e se esmerou em destacar o que o Peru tem de mais interessante e até mesmo o número de dias sugerido para cada lugar. E deu certo.
A minha amiga virtual não errou em nada em qualificar Cusco dessa forma superlativa. A outrora capital do império inca, hoje uma cidade peruana de 430.000 pessoas, possui sem dúvida a zona histórica e turística mais imponente e vibrante entre todas as cidades do país. As visitas normalmente se iniciam pela Praça de Armas e pela edificação histórica que é o seu centro, uma das duas relíquias mais importantes da cidade, a Basílica da Catedral. Mas por algum motivo seguimos, no primeiro dia, diretamente para o Museu de Arte Pré-Colombiana.
Os excelentes textos falados do audioguia desse museu nos permitem um passeio pela história dos povos que viveram no atual território peruano antes da chegada dos espanhóis. O fio condutor desse passeio é a arte, que, em se tratando de culturas fortemente ligadas ao universo religioso, possui sempre uma conotação místico-religiosa. Pelas galerias sucedem-se os artefatos arqueológicos e peças artísticas pré-colombianas, abrangendo mais de 2.700 anos de história e povos como os nascas, mochicas, paracas, huaris, chancay-chimus e incas. Estamos tão encantados com o que vemos que deixamos o museu para o almoço e retornamos à tarde, dividindo em dois turnos a visitação. Passamos praticamente todo o nosso primeiro dia em Cusco nesse museu.
Esta peça pertence à cultura virú, que se fixou no norte costeiro peruano há mais de 3.000 anos, ao mesmo tempo que na África o império egípcio desenvolvia a escrita hieroglífica. O cântaro, um trabalho escultórico elaborado com argila, representa um personagem masculino seminu, trabalhado com muito detalhe. Podem-se apreciar as feições, os dedos dos pés e o umbigo. A cabeça do personagem não guarda proporção natural com o corpo, que é grande, o que poderia indicar uma superioridade espiritual e intelectual incomum. A majestade do indivíduo, o seu vínculo com o além se evidencia em seu rosto harmônico. Tem os olhos cerrados, mas não dorme, dedicado a mirar o seu interior, onde se encontram as verdades últimas. É a atitude de quem pratica uma meditação profunda, que o desprende da realidade material e o leva para uma viagem rumo ao não-visível. A arte recorre ao nu quando pretende representar a essência humana, o ser desprovido de todo elemento externo e acessório, algo frequente e visível naquelas expressões artísticas ligadas ao culto, à meditação, ao ritual.
Fonte: audioguia do Museu de Arte Pré-Colombiana, Cusco. Traduzido do espanhol.
A Basílica da Catedral e Qorikancha devem ser os monumentos mais importantes em Cusco. A basílica é na realidade constituída por três edificações religiosas distintas e contíguas. De uma se passa à outra por acessos internos. Visito o conjunto numa manhã de sol, começando pelo Templo do Triunfo.
Esse templo é simbólico já a partir da sua denominação. O nome alude obviamente à vitória da ação espanhola de conquista do império inca. Essa ação está bem retratada já na entrada da edificação, onde está colocada uma bizarra representação da conquista: um soldado espanhol a cavalo, o animal apoiado somente nas patas traseiras. O tronco do animal, com as patas dianteiras no ar, repousa nos ombros de um inca subjugado, de joelhos. Assim, o animal e seu cavaleiro são carregados por esse guerreiro vencido. O cavaleiro é San James, o Grande, patrono da Espanha.
No Templo do Triunfo estão depositados os restos mortais de Garcilaso de la Vega. esse importante cronista mestiço da conquista do império, filho de um militar espanhol e de uma princesa inca. Leio na placa antiga alusiva aos restos do cronista, que a linhagem da sua mãe estava conectada ao grande Inca Atahualpa, o último imperador antes da conquista espanhola. A propósito, a denominação "inca" para se referir a todo esse povo andino parece ser tão-somente uma generalização. Havia somente um inca, "O Inca", aquele que comandava o império e se conectava com os deuses. Por isso, noto, alguns guias preferem se referir ao conjunto do povo como "quechuas", reservando o termo "inca" apenas para o seu líder máximo.
Do templo se passa à edificação mais importante do conjunto, a catedral propriamente dita. A sua construção remonta a 1560-1564 e foi realizada sobre o sítio antes ocupado por um templo inca e palácio de residência do Inca Viracocha, tendo sido esse edifício original derrubado para dar lugar à catedral católica. Enquanto passeio pelo seu imenso interior, admirando os belíssimos altares, o coro, os retábulos, construídos em madeira de cedro puro, observo os pequenos grupos de turistas que circulam acompanhados de guias. Um casal, três pessoas, uma pequena família. Invejo-os. Visitar um monumento desses sem um guia que aponte e decifre o que ele tem de mais importante, circular sozinho por esse espaço, como o faço, é uma navegação às cegas. De todo modo, a contemplação apenas estética é também uma fonte preciosa de conexão com a história pré-colombiana dessa região.
A terceira edificação do conjunto é o Templo da Sagrada Família, a mais simples entre as três. Por ela se sai novamente para a Praça de Armas, com seus jardins floridos, suas aleias, seus grupos de turistas a passear calmamente e... seus inevitáveis vendedores. Oferecem-se excursões, passeios, visitas guiadas, restaurantes, bares, peças de artesanato, pinturas, desenhos. "Hello, Mister, excuse me...", assim se inicia o inevitável refrão dos vendedores da zona turística de Cusco.
Para mim, que visito a Basílica da Catedral depois de percorrer a Trilha Inca e Machu Picchu, esse conjunto de três templos, erigido na praça central da capital do império inca, sobre o que fora o seu templo mais importante, representa na realidade um contraponto a Machu Picchu. Lá, onde os espanhóis nunca entraram, estão preservadas as construções e os artefatos arqueológicos que documentam o poder inca, ao passo que aqui, na Praça de Armas de Cusco, estou diante da máxima representação da conquista espanhola, esse conjunto religioso católico, construído, a propósito, com mão de obra inca escravizada.
A partir da Praça de Armas se pode iniciar um circuito histórico que passa por San Blas, o bairro mais charmoso de Cusco, toma a via pedestre Tandapata, que remonta ao período inca, e vai dar na Igreja de San Cristobal, com seu precioso mirante.
No Museu do Convento de Santo Domingo-Qorikancha, a segunda edificação em importância em Cusco, convivem dois tempos. Originalmente um templo inca dedicado ao deus Sol, cujos recintos eram forrados de ouro, foi posteriormente ocupado por um convento dominicano. O que o visitante vê, portanto, são estruturas mescladas, nas quais convivem lado a lado salas e paredes construídas pelos incas e partes da edificação erguidas pelos dominicanos. As primeiras seguem o padrão obsessivamente geométrico inca, caracterizado por linhas retas, sem desenhos ou adereços, dedicadas aos deuses ou a fenômenos astronômicos. A edificação original foi construída por ordem do Inca Pachacuteq, depois de sua vitória sobre os chancas, no ano de 1438.
Percorro os espaços internos que se sucedem em Qorikancha e passeio pelo harmonioso pátio interno, de onde se tem uma bela visão do campanário dominicano. Depois de visitar as salas outrora dedicadas ao culto aos deuses, dotadas de grossas paredes de pedra, perfeitamente encaixadas entre si, e de orifícios geometricamente lapidados, encontro uma artística peça de fibra de vidro, revestida de bronze, de cor dourada, dedicadas às deidades maiores e menores da cosmovisão andina.
Deixo Qorikancha por volta de 5 e meia da tarde, quando os últimos visitantes dão entrada nesse memorável lugar. Procuro uma lanchonete nas imediações, tomo um chocolate, como uma fatia de bolo e marco no Google Maps a direção do hostal em que estou hospedado. Deixo a zona histórica e continuo seguindo. Saio numa avenida larga, com duas pistas separadas por uma via férrea. É uma área popular, com pequenos estabelecimentos de venda de cereais, rações, móveis usados etc. "Esta Cusco nada tem a ver com os museus, igrejas e restaurantes elegantes da zona histórica", penso. O Google Maps me apontava a direção da rua do hostal, que coincidia com uma passarela que passava por cima da avenida. "Fácil", pensei, "subindo até a passarela já estarei na rua Belén". Mas onde está a entrada da passarela? Por fim encontrei, perdido entre a confusão de lojinhas, transeuntes e veículos, um portão gradeado. Trancado. Pedi informação a um lojista. Ele riu contente, com aquela pequena dose de sadismo que por vezes impera nas ruas. "Ah, a essa hora, só lá na frente" - e apontou uma outra passarela bem distante. Desisti de passar por cima da avenida. Cruzei para o outro lado, atravessando a via férrea e as duas pistas. Subi por outra rua, pois a rua Belén passava lá em cima e não podia acessá-la. Fiava-me no aplicativo. Fui seguindo. Ruas cada vez mais escuras, lojas fechando as portas. Lixo nas calçadas. Mulheres passavam carregando crianças nas costas, enroladas em panos coloridos presos aos seus pescoços. Pela primeira vez andava em uma rua de Cusco sem que ninguém me oferecesse alguma coisa. Aqui já não sobressaía como um turista, minha aparência diferente escondida pelo escuro da noite. E, ademais, nessa região de comércio popular, nada teriam a me oferecer.
A minha amiga virtual não errou em nada em qualificar Cusco dessa forma superlativa. A outrora capital do império inca, hoje uma cidade peruana de 430.000 pessoas, possui sem dúvida a zona histórica e turística mais imponente e vibrante entre todas as cidades do país. As visitas normalmente se iniciam pela Praça de Armas e pela edificação histórica que é o seu centro, uma das duas relíquias mais importantes da cidade, a Basílica da Catedral. Mas por algum motivo seguimos, no primeiro dia, diretamente para o Museu de Arte Pré-Colombiana.
Os excelentes textos falados do audioguia desse museu nos permitem um passeio pela história dos povos que viveram no atual território peruano antes da chegada dos espanhóis. O fio condutor desse passeio é a arte, que, em se tratando de culturas fortemente ligadas ao universo religioso, possui sempre uma conotação místico-religiosa. Pelas galerias sucedem-se os artefatos arqueológicos e peças artísticas pré-colombianas, abrangendo mais de 2.700 anos de história e povos como os nascas, mochicas, paracas, huaris, chancay-chimus e incas. Estamos tão encantados com o que vemos que deixamos o museu para o almoço e retornamos à tarde, dividindo em dois turnos a visitação. Passamos praticamente todo o nosso primeiro dia em Cusco nesse museu.
Esta peça pertence à cultura virú, que se fixou no norte costeiro peruano há mais de 3.000 anos, ao mesmo tempo que na África o império egípcio desenvolvia a escrita hieroglífica. O cântaro, um trabalho escultórico elaborado com argila, representa um personagem masculino seminu, trabalhado com muito detalhe. Podem-se apreciar as feições, os dedos dos pés e o umbigo. A cabeça do personagem não guarda proporção natural com o corpo, que é grande, o que poderia indicar uma superioridade espiritual e intelectual incomum. A majestade do indivíduo, o seu vínculo com o além se evidencia em seu rosto harmônico. Tem os olhos cerrados, mas não dorme, dedicado a mirar o seu interior, onde se encontram as verdades últimas. É a atitude de quem pratica uma meditação profunda, que o desprende da realidade material e o leva para uma viagem rumo ao não-visível. A arte recorre ao nu quando pretende representar a essência humana, o ser desprovido de todo elemento externo e acessório, algo frequente e visível naquelas expressões artísticas ligadas ao culto, à meditação, ao ritual.
Fonte: audioguia do Museu de Arte Pré-Colombiana, Cusco. Traduzido do espanhol.
A Basílica da Catedral e Qorikancha devem ser os monumentos mais importantes em Cusco. A basílica é na realidade constituída por três edificações religiosas distintas e contíguas. De uma se passa à outra por acessos internos. Visito o conjunto numa manhã de sol, começando pelo Templo do Triunfo.
Esse templo é simbólico já a partir da sua denominação. O nome alude obviamente à vitória da ação espanhola de conquista do império inca. Essa ação está bem retratada já na entrada da edificação, onde está colocada uma bizarra representação da conquista: um soldado espanhol a cavalo, o animal apoiado somente nas patas traseiras. O tronco do animal, com as patas dianteiras no ar, repousa nos ombros de um inca subjugado, de joelhos. Assim, o animal e seu cavaleiro são carregados por esse guerreiro vencido. O cavaleiro é San James, o Grande, patrono da Espanha.
No Templo do Triunfo estão depositados os restos mortais de Garcilaso de la Vega. esse importante cronista mestiço da conquista do império, filho de um militar espanhol e de uma princesa inca. Leio na placa antiga alusiva aos restos do cronista, que a linhagem da sua mãe estava conectada ao grande Inca Atahualpa, o último imperador antes da conquista espanhola. A propósito, a denominação "inca" para se referir a todo esse povo andino parece ser tão-somente uma generalização. Havia somente um inca, "O Inca", aquele que comandava o império e se conectava com os deuses. Por isso, noto, alguns guias preferem se referir ao conjunto do povo como "quechuas", reservando o termo "inca" apenas para o seu líder máximo.
Do templo se passa à edificação mais importante do conjunto, a catedral propriamente dita. A sua construção remonta a 1560-1564 e foi realizada sobre o sítio antes ocupado por um templo inca e palácio de residência do Inca Viracocha, tendo sido esse edifício original derrubado para dar lugar à catedral católica. Enquanto passeio pelo seu imenso interior, admirando os belíssimos altares, o coro, os retábulos, construídos em madeira de cedro puro, observo os pequenos grupos de turistas que circulam acompanhados de guias. Um casal, três pessoas, uma pequena família. Invejo-os. Visitar um monumento desses sem um guia que aponte e decifre o que ele tem de mais importante, circular sozinho por esse espaço, como o faço, é uma navegação às cegas. De todo modo, a contemplação apenas estética é também uma fonte preciosa de conexão com a história pré-colombiana dessa região.
A terceira edificação do conjunto é o Templo da Sagrada Família, a mais simples entre as três. Por ela se sai novamente para a Praça de Armas, com seus jardins floridos, suas aleias, seus grupos de turistas a passear calmamente e... seus inevitáveis vendedores. Oferecem-se excursões, passeios, visitas guiadas, restaurantes, bares, peças de artesanato, pinturas, desenhos. "Hello, Mister, excuse me...", assim se inicia o inevitável refrão dos vendedores da zona turística de Cusco.
Para mim, que visito a Basílica da Catedral depois de percorrer a Trilha Inca e Machu Picchu, esse conjunto de três templos, erigido na praça central da capital do império inca, sobre o que fora o seu templo mais importante, representa na realidade um contraponto a Machu Picchu. Lá, onde os espanhóis nunca entraram, estão preservadas as construções e os artefatos arqueológicos que documentam o poder inca, ao passo que aqui, na Praça de Armas de Cusco, estou diante da máxima representação da conquista espanhola, esse conjunto religioso católico, construído, a propósito, com mão de obra inca escravizada.
A partir da Praça de Armas se pode iniciar um circuito histórico que passa por San Blas, o bairro mais charmoso de Cusco, toma a via pedestre Tandapata, que remonta ao período inca, e vai dar na Igreja de San Cristobal, com seu precioso mirante.
No Museu do Convento de Santo Domingo-Qorikancha, a segunda edificação em importância em Cusco, convivem dois tempos. Originalmente um templo inca dedicado ao deus Sol, cujos recintos eram forrados de ouro, foi posteriormente ocupado por um convento dominicano. O que o visitante vê, portanto, são estruturas mescladas, nas quais convivem lado a lado salas e paredes construídas pelos incas e partes da edificação erguidas pelos dominicanos. As primeiras seguem o padrão obsessivamente geométrico inca, caracterizado por linhas retas, sem desenhos ou adereços, dedicadas aos deuses ou a fenômenos astronômicos. A edificação original foi construída por ordem do Inca Pachacuteq, depois de sua vitória sobre os chancas, no ano de 1438.
Percorro os espaços internos que se sucedem em Qorikancha e passeio pelo harmonioso pátio interno, de onde se tem uma bela visão do campanário dominicano. Depois de visitar as salas outrora dedicadas ao culto aos deuses, dotadas de grossas paredes de pedra, perfeitamente encaixadas entre si, e de orifícios geometricamente lapidados, encontro uma artística peça de fibra de vidro, revestida de bronze, de cor dourada, dedicadas às deidades maiores e menores da cosmovisão andina.
Deixo Qorikancha por volta de 5 e meia da tarde, quando os últimos visitantes dão entrada nesse memorável lugar. Procuro uma lanchonete nas imediações, tomo um chocolate, como uma fatia de bolo e marco no Google Maps a direção do hostal em que estou hospedado. Deixo a zona histórica e continuo seguindo. Saio numa avenida larga, com duas pistas separadas por uma via férrea. É uma área popular, com pequenos estabelecimentos de venda de cereais, rações, móveis usados etc. "Esta Cusco nada tem a ver com os museus, igrejas e restaurantes elegantes da zona histórica", penso. O Google Maps me apontava a direção da rua do hostal, que coincidia com uma passarela que passava por cima da avenida. "Fácil", pensei, "subindo até a passarela já estarei na rua Belén". Mas onde está a entrada da passarela? Por fim encontrei, perdido entre a confusão de lojinhas, transeuntes e veículos, um portão gradeado. Trancado. Pedi informação a um lojista. Ele riu contente, com aquela pequena dose de sadismo que por vezes impera nas ruas. "Ah, a essa hora, só lá na frente" - e apontou uma outra passarela bem distante. Desisti de passar por cima da avenida. Cruzei para o outro lado, atravessando a via férrea e as duas pistas. Subi por outra rua, pois a rua Belén passava lá em cima e não podia acessá-la. Fiava-me no aplicativo. Fui seguindo. Ruas cada vez mais escuras, lojas fechando as portas. Lixo nas calçadas. Mulheres passavam carregando crianças nas costas, enroladas em panos coloridos presos aos seus pescoços. Pela primeira vez andava em uma rua de Cusco sem que ninguém me oferecesse alguma coisa. Aqui já não sobressaía como um turista, minha aparência diferente escondida pelo escuro da noite. E, ademais, nessa região de comércio popular, nada teriam a me oferecer.
Uma rua às escuras e em obras, os pedaços de asfalto e concreto jogados em montes, no meio dos quais passavam os pedestres. O aplicativo mandava seguir. Fui em frente. Quatro policiais caminhavam à minha frente. Aproximei-me deles, sentindo-me protegido, mas subitamente algo me demoveu da ideia de chegar muito perto. Lembrei-me da história contada por meu irmão, da tentativa de extorsão por que passou nas mãos de um policial peruano, no aeroporto de Lima. Pensei na pochete que carregava escondida na cintura, com soles, dólares e reais. Um dos policiais pressentiu a minha presença e virou-se para trás, fitando-me. Abaixei os olhos para o chão e fiz-me invisível. Um homem de boné na rua escura. Nada mais.
Ultrapassei os policiais e caminhei por mais uns 100 metros. Estranho, o aplicativo informava que estava a apenas cinco minutos do hostal, mas nada naquela zona me parecia familiar. De repente, num estalo, entendi o que ocorrera. O hostal tinha dois estabelecimentos, lembrei-me de ter lido em algum lugar. Eu estava na direção do estabelecimento errado. Retornei pela mesma rua em obras e dali a pouco passava, enfim, pela passarela em cima da avenida larga, mas na direção oposta. Meti-me contente num enxame de transeuntes, alguns descendo apressados dos pequenos ônibus que cruzam a cidade. Pressentia a proximidade do hostal. Mais alguns minutos de caminhada e entrava no estabelecimento.
A Cusco que os turistas conhecem é na realidade um pequeno núcleo preservado e bem cuidado encravado numa área urbana extensa e pobre. Deixando a zona histórica e turística têm início os grandes bairros pobres da cidade, caracterizados por casas e prédios sem reboco nas paredes, casas cobertas com lonas e sobrepostas uma às outras, córregos poluídos por esgotos.
De Cusco é possível se acessar o chamado Vale Sagrado, isto é, os complexos arqueológicos e pueblos da atualidade que se distribuem ao longo do vale do rio Urubamba. Um dos mais interessantes entre esses complexos arqueológicos é Pisaq, que visito numa das últimas tardes na região. Ali se pode compreender a singularidade do processo ocupador andino. Originalmente os povos andinos se mantiveram distantes do rio, ocupando os terrenos montanhosos muito acima, onde construíram os andenes, espécies de grandes terraços de função agrícola. Foi somente a partir da chegada dos espanhóis que a população comum subjugada foi obrigada a deixar essas terras altas e se instalar nas margens do rio, muito abaixo. A expressão "Vale Sagrado" alude à crença pré-colombiana de que os nevados, isto é, os picos congelados das montanhas, eram sagrados. Por isso a água que vertia deles na forma de gotas de chuva, nutrindo os campos abaixo, formava um fértil vale de terras sagradas. Hoje a vila contemporânea de Pisaq está instalada nos campos próximos ao rio Urubamba, ao passo que o complexo arqueológico pré-inca e inca, com seus andenes e restos de estruturas construtivas, permanece centenas de metros acima, nas montanhas andinas da região.
Outro destino possível a partir de Cusco é a famosa Montanha Sete Cores. De grande apelo visual, essa montanha apresenta franjas bem definidas em tonalidades fortes - fúcsia, turquesa, roxo, dourado. Trata-se de um efeito geológico complexo, que tem crescentemente atraído visitantes nos últimos anos. A subida ao topo de uma montanha vizinha, de onde se pode visualizar a Montanha Sete Cores, não seria tão extenuante não fossem as altitudes envolvidas. Chega-se a 5.036 metros, altitude de Winikunka, a montanha vizinha. A rarefação do oxigênio própria dessa altitude faz com que cheguemos, eu e Brito, ofegantes e tontos ao cume. Nessa altitude extrema, a mais elevada a que já chegamos, circulam dezenas de visitantes, vindos das mais diversas partes do planeta. Alguns sucumbem aos efeitos da exaustão e do mal de altitude e retornam ao ponto de partida sem alcançar o topo de Winikunka; outros sobem no lombo de burros e mulas e só assim chegam ao cume. Durante a hora em que passamos por ali, faço um rápido levantamento visual: se as aparências corresponderem à realidade, eu e Brito somos os visitantes mais velhos dali.
Museu de Arte Pré-Colombiana
Praça de Armas
Mercado de San Pedro
Basílica da Catedral
Museu Inca
Bairro de San Blas
Igreja de San Blas
Museu da Coca: na realidade uma mistura confusa de painéis informativos, objetos para exibição e produtos para venda
Igreja de San Cristobal
Mirante de San Cristobal
Montanha Sete Cores
Museu do Convento de Santo Domingo-Qorikancha
Pisaq
Templo da Lua
A Cusco que os turistas conhecem é na realidade um pequeno núcleo preservado e bem cuidado encravado numa área urbana extensa e pobre. Deixando a zona histórica e turística têm início os grandes bairros pobres da cidade, caracterizados por casas e prédios sem reboco nas paredes, casas cobertas com lonas e sobrepostas uma às outras, córregos poluídos por esgotos.
De Cusco é possível se acessar o chamado Vale Sagrado, isto é, os complexos arqueológicos e pueblos da atualidade que se distribuem ao longo do vale do rio Urubamba. Um dos mais interessantes entre esses complexos arqueológicos é Pisaq, que visito numa das últimas tardes na região. Ali se pode compreender a singularidade do processo ocupador andino. Originalmente os povos andinos se mantiveram distantes do rio, ocupando os terrenos montanhosos muito acima, onde construíram os andenes, espécies de grandes terraços de função agrícola. Foi somente a partir da chegada dos espanhóis que a população comum subjugada foi obrigada a deixar essas terras altas e se instalar nas margens do rio, muito abaixo. A expressão "Vale Sagrado" alude à crença pré-colombiana de que os nevados, isto é, os picos congelados das montanhas, eram sagrados. Por isso a água que vertia deles na forma de gotas de chuva, nutrindo os campos abaixo, formava um fértil vale de terras sagradas. Hoje a vila contemporânea de Pisaq está instalada nos campos próximos ao rio Urubamba, ao passo que o complexo arqueológico pré-inca e inca, com seus andenes e restos de estruturas construtivas, permanece centenas de metros acima, nas montanhas andinas da região.
Outro destino possível a partir de Cusco é a famosa Montanha Sete Cores. De grande apelo visual, essa montanha apresenta franjas bem definidas em tonalidades fortes - fúcsia, turquesa, roxo, dourado. Trata-se de um efeito geológico complexo, que tem crescentemente atraído visitantes nos últimos anos. A subida ao topo de uma montanha vizinha, de onde se pode visualizar a Montanha Sete Cores, não seria tão extenuante não fossem as altitudes envolvidas. Chega-se a 5.036 metros, altitude de Winikunka, a montanha vizinha. A rarefação do oxigênio própria dessa altitude faz com que cheguemos, eu e Brito, ofegantes e tontos ao cume. Nessa altitude extrema, a mais elevada a que já chegamos, circulam dezenas de visitantes, vindos das mais diversas partes do planeta. Alguns sucumbem aos efeitos da exaustão e do mal de altitude e retornam ao ponto de partida sem alcançar o topo de Winikunka; outros sobem no lombo de burros e mulas e só assim chegam ao cume. Durante a hora em que passamos por ali, faço um rápido levantamento visual: se as aparências corresponderem à realidade, eu e Brito somos os visitantes mais velhos dali.
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Lugares que visitei em Cusco e nas proximidades (por ordem cronológica):Museu de Arte Pré-Colombiana
Praça de Armas
Mercado de San Pedro
Basílica da Catedral
Museu Inca
Bairro de San Blas
Igreja de San Blas
Museu da Coca: na realidade uma mistura confusa de painéis informativos, objetos para exibição e produtos para venda
Igreja de San Cristobal
Mirante de San Cristobal
Montanha Sete Cores
Museu do Convento de Santo Domingo-Qorikancha
Pisaq
Templo da Lua
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