Relatos peruanos 2 - Um dia realmente muito longo
Acordo antes do despertador tocar, viro-me para o criado-mudo e olho a hora no relógio do celular. Cinco e quarenta e cinco, meia hora antes do horário marcado para acordarmos, eu e o amigo Antônio Brito. Ica está ainda às escuras. Às seis e quinze deveríamos nos levantar para rapidamente reorganizar as mochilas e partirmos para a Reserva Nacional de Paracas e o Canyon de Los Perdidos. Brito seguiria para a reserva e eu, mais afeito à caminhada na natureza, para o canyon. Em quinze minutos chegariam as duas vans com os grupos de pessoas para os passeios do dia.
A meia hora a mais foi decisiva. Começamos a conversar sobre os passeios. Lugares incertos, que não estão entre os destinos mais procurados nesta região centro-sul do Peru. O atendente da agência turística havia comentado que o canyon ainda é pouco conhecido, sendo buscado mais por turistas europeus. E quanto à reserva, é um conjunto que inclui, além das belezas naturais, um centro de visitação e uma praia frequentada majoritariamente por peruanos.
Estávamos ambos cansados. Os dias anteriores haviam sido intensos, incluindo a passagem de um dia e meio por Lima, onde encontrei o amigo, que chegara do Brasil para se juntar à jornada pelo Peru.
Como afirmam os sites e blogues de viagem, a capital peruana não é de fato um dos destinos mais interessantes do país. Hospedamo-nos inicialmente numa zona central da cidade, bastante movimentada, localizada atrás do prédio do Congresso peruano. "Área perigosa", alertaram-nos duas ou três vezes. Todavia não tivemos problema. No segundo dia mudamo-nos para Miraflores, bairro de classe média de onde se pode admirar o Oceano Pacífico. Ficamos surpresos com a qualidade de vida do bairro, com ruas limpas e seguras, bons restaurantes e pequenos e simpáticos hotéis.
De Lima tínhamos partido para Paracas, onde visitamos as Ilhas Ballestas, um conjunto de ilhas rochosas habitadas por aves e mamíferos como pinguins, pelicanos, golfinhos e leões marinhos. E em Ica fomos ao badalado Oásis Huacachina, que todavia nos pareceu decepcionante. Trata-se de um oásis urbanizado, cercado por restaurantes e hotéis, localizado na área urbana de Ica, por sua vez um enclave de ocupação humana numa região desértica.
De volta ao quarto de hotel. "Eu abriria mão dos dois passeios", garantiu-me Brito. Pensei um pouco. O canyon certamente me atraía, exatamente por ser pouco conhecido e "perdido", como dizia o nome do lugar, no vasto deserto central. Mas havia ainda muito por se visitar neste país rico e diversificado que é o Peru. "Concordo, vamos desistir", respondi.
Como afirmam os sites e blogues de viagem, a capital peruana não é de fato um dos destinos mais interessantes do país. Hospedamo-nos inicialmente numa zona central da cidade, bastante movimentada, localizada atrás do prédio do Congresso peruano. "Área perigosa", alertaram-nos duas ou três vezes. Todavia não tivemos problema. No segundo dia mudamo-nos para Miraflores, bairro de classe média de onde se pode admirar o Oceano Pacífico. Ficamos surpresos com a qualidade de vida do bairro, com ruas limpas e seguras, bons restaurantes e pequenos e simpáticos hotéis.
De Lima tínhamos partido para Paracas, onde visitamos as Ilhas Ballestas, um conjunto de ilhas rochosas habitadas por aves e mamíferos como pinguins, pelicanos, golfinhos e leões marinhos. E em Ica fomos ao badalado Oásis Huacachina, que todavia nos pareceu decepcionante. Trata-se de um oásis urbanizado, cercado por restaurantes e hotéis, localizado na área urbana de Ica, por sua vez um enclave de ocupação humana numa região desértica.
De volta ao quarto de hotel. "Eu abriria mão dos dois passeios", garantiu-me Brito. Pensei um pouco. O canyon certamente me atraía, exatamente por ser pouco conhecido e "perdido", como dizia o nome do lugar, no vasto deserto central. Mas havia ainda muito por se visitar neste país rico e diversificado que é o Peru. "Concordo, vamos desistir", respondi.
Permanecemos ainda algumas horas no hotel e por volta das 10 horas da manhã paramos um mototáxi - a motocicleta que puxa uma cabine fechada onde vão até três passageiros, um meio de transporte muito utilizado no Peru - na rodovia que passa em frente ao estabelecimento. "Para o terminal de autobuses, por favor", comandamos. "Vão para onde?", perguntou o simpático peruano que conduzia o veículo. "Nazca". Ele então se virou para trás e explicou didaticamente: "Há duas formas de se ir a Nazca. Uma é pelo autobus, ou autocarro, e custa 12 soles. A outra é de carro e custa 18 soles". Pela denominação "carro" ele queria dizer os carros privados que levavam passageiros para a cidade vizinha, os táxi-lotação também comuns na região. Apenas seis soles de diferença. "Vamos de carro", respondemos.
Após alguma espera, seguimos no táxi-lotação para Nazca. No banco da frente ia uma jovem peruana com uma criança no colo. Antes de pegar a estrada ainda tivemos que voltar ao hotel, onde eu havia esquecido várias peças de roupa que lavara na noite anterior e deixara a secar no terraço. Lavar a própria roupa é uma das tarefas mais importantes de quem viaja por longo tempo e não se anima a pagar os preços das lavanderias comerciais das cidades. Carregava sempre comigo um tablete de sabão, uma cordinha e alguns prendedores de roupa.
A estrada de Ica para Nazca é parte da chamada Carretera Panamericana, uma rede de estradas que se estende de norte a sul no continente americano. Essa estrada, na sua maior parte uma linha reta, corta áreas desérticas, de solo arenoso e muito pouco povoadas. Colinas baixas se destacam na paisagem homogênea. De vez em quando passamos por pequenas concentrações de casas e estabelecimentos comerciais. Todos muito simples e rústicos. Parecem inacreditáveis nesse lugar ermo. "Como as pessoas podem viver aqui? De onde tiram água?", indaga-me Brito. De fato, tudo parece tomado pela areia nesse espaço árido.
Alguns momentos de hesitação ao chegar a Nazca. O motorista do táxi-lotação havia feito contato por celular com uma pessoa que conhecia e que poderia articular a nossa visita à principal atração da cidade, à quase única razão de estarmos ali: as Linhas de Nazca. Essa pessoa trabalhava no minúsculo aeroporto da cidade, quase que exclusivamente utilizado para os sobrevoos de visualização das linhas. "Então vamos seguir para o aeroporto", disse eu apressadamente para o motorista. Sensatamente Brito comentou comigo, em voz baixa: "Melhor ficarmos no centro, onde há mais opções, do que confiar num único contato no aeroporto, que está fora da cidade". Decidimos então ficar no centro da cidade.
Em dois tempos já havia um homem sentado no banco da frente do carro, que a peruana deixara alguns minutos antes. Era um agente de turismo local e explicava rapidamente o que se podia fazer na cidade.
As Linhas de Nazca são grandes marcas - geoglifos - deixadas no chão do deserto, que os estudiosos supõem tenham sido realizadas entre 400 e 650 do tempo presente. Os geoglifos foram feitos simplesmente removendo-se as pedras que cobrem o solo arenoso local, deixando aparecer a parte mais branca por baixo, formando figuras que em alguns casos possuem até 200 metros de diâmetro. Dessa forma foram desenhadas aves, aranhas, macacos, peixes, lhamas e lagartos. O clima seco e estável, bem como o isolamento da região, contribuem para a preservação dos desenhos. Obviamente essas figuras podem ser vistas apenas à distância, isto é, do céu, o que intriga os pesquisadores: qual teria sido a intenção dos seus autores ao produzir um efeito pictórico que só pode ser visto do espaço?
O sobrevoo da superfície por onde as linhas estão distribuídas leva de 20 a 40 minutos e é realizado em pequenos aviões, de até oito ocupantes (incluindo-se o piloto e o co-piloto), que partem do aeroporto de Nazca. No meu caso, bem como no de várias outras pessoas que fazem o passeio, pode incluir uma boa dose de enjoo e até vômito, devidos à instabilidade da aeronave, que muitas vezes tem que enfrentar ventos e turbulências.
Depois do sobrevoo, deixamos o aeroporto e, conduzidos por Diego, o simpático guia turístico, seguimos para o almoço na sua casa. Trata-se de uma residência peruana simples e popular. A nossa curiosidade sobre o Peru é compensada pela curiosidade de Diego sobre o Brasil. Ele nos faz perguntas e conversamos sobre tudo: a vida, a família, os países, a nossa viagem pelo Peru. "Vocês são corajosos", afirma, enfatizando a nossa faixa etária, ambos entre 55 e 60 anos, muito distante dos seus escassos 37 anos.
Se as Linhas de Nazca são impressionantes pelo mistério que as envolve, não menos surpreendente é o Cemitério de Chauchilla, uma necrópole pré-incaica localizada a 30 quilômetros da cidade. Podem-se ver dezenas de múmias nas suas tumbas originais. Essas tumbas encontram-se cercadas e protegidas por estruturas simples feitas de estacas de madeira e teto de bambu. Em vários pontos ainda podem-se ver as paredes de pedra com as quais foram construídas as tumbas no chão. O clima seco conservou as múmias, nas quais ainda existem restos de pele, cabelos e roupas. Esse cemitério já foi relacionado às culturas huari e nazca, que se estabeleceram na região entre os séculos II e IX do tempo presente, antecedendo em muito a civilização inca.
A visita às linhas e ao cemitério, ambos localizados numa região desértica e isolada, testemunhos de culturas seculares que floresceram em tempos remotos, representa um momento singular de contato com o mistério e o passado.
À noite embarcamos no ônibus que nos levaria a Arequipa, uma cansativa viagem de aproximadamente 10 horas, feita sem paradas e sob o calor sufocante do interior do veículo.
À noite embarcamos no ônibus que nos levaria a Arequipa, uma cansativa viagem de aproximadamente 10 horas, feita sem paradas e sob o calor sufocante do interior do veículo.
Adoro esses relatos bem escritos que me fazem viajar bem longe. Dá prá sentir o clima seco lendo suas palavras.
ResponderExcluirMárcio, parabéns pelo relato e pela viagem! É inspirador e encorajador para mim! Consegui ler hoje, e quero continuar acompanhando. Abraços, Adri.
ResponderExcluirQue bom, Adriana, fico feliz!
ExcluirFantástico. Fotos ótimas.
ResponderExcluirObrigado, Jana!
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