Relatos peruanos 1 - A Amazônia peruana

Chego sozinho a Iquitos, a cidade no norte do Peru que é, de certa forma, a capital da Amazônia peruana. Trata-se de uma região em tudo oposta ao deserto costeiro que começa ao sul da longínqua capital do país. Iquitos, que detém o curioso recorde de ser a mais populosa cidade do mundo sem conexão por terra, é a sede de uma região onde a água e a selva imperam. A Amazônia peruana ocupa mais de 60% do território do país, mas aqui residem somente 13% dos peruanos.

A partir de Iquitos se pode chegar a um encontro fluvial muito importante. A viagem é feita por estrada asfaltada até Nauta e depois por via fluvial, tomando-se um dos rústicos barcos que servem à região.

O rio Marañon, depois de percorrer 1.600 quilômetros vindo dos Andes, encontra-se nessa região com o rio Ucayali. A partir desse encontro o curso fluvial formado ganha o nome de rio Amazonas, com o qual fluirá até a fronteira entre o Peru e o Brasil. A partir da cidade fronteiriça de Tabatinga (brasileira), receberá o nome de Solimões, com o qual segue até as imediações de Manaus, para então retomar, até a sua foz, a denominação de Amazonas.

A confusão toponímica não deve nos enganar: o encontro fluvial da região amazônica de Iquitos e Nauta é um dos fenômenos hidrográficos mais importantes da formação do maior rio do mundo.

Percorrer alguns dos trechos da selva amazônica do norte do Peru, como o fiz em dois dias, levou-me à inevitável conclusão de que estava na mesma Amazônia da qual regressara um mês antes. "Só mudam os nomes", como me disseram dois guias peruanos de caminhada pela mata. Claro. A imensidão amazônica está muito além das divisas nacionais e na realidade não existe uma "Amazônia peruana", ou "Amazônia brasileira", ou "Amazônia colombiana" etc.

Passado o encontro dos rios, o barco segue em direção a um rústico hotel de selva, implantado na margem de um afluente local. Os passageiros são na sua grande maioria europeus - poloneses, franceses, uma holandesa -, um australiano e eu. Steve, o australiano, um homem risonho e simpático de 45 anos, com uma barba ruiva, abre um largo sorriso e começa a conversar comigo. Está sempre acompanhado da holandesa, uma mulher de idade indefinida que termina o curso de Medicina. Tomara-os como um casal, mas Steve me conta que na realidade se conheceram há apenas uma semana na Trilha Inca, entre Cusco e Machu Picchu. "Assim que nos conhecemos criamos um vínculo como se tivéssemos convivido durante anos", enfatiza o australiano. Mostra-me uma foto da esposa, grávida de três meses, que ficara em Perth, onde moram. A imagem é de uma mulher bonita, pele morena, olhos negros. Steve me conta que ela é descendente de indianos e ingleses. "Você é um homem de sorte", digo a ele. Responde com um dos habituais sorrisos. Pergunto a ele se não receara deixar a mulher grávida sozinha. "Sim, cara, mas eu tinha que vir. É a minha última oportunidade". E dá uma gargalhada. Enquanto conversamos, vai abrindo as latas de cerveja que comprara em Nauta e bebe sozinho. Elogia a minha "coragem" de viajar sem companhia e de me mudar para Portugal, também sozinho. "É o meu caminho, cara. Não tenho como formar uma família, morar numa casa convencional com esposa, filhos, cachorro...", respondo. Ele dá outra gargalhada e diz: "Então, é exatamente esta a minha realidade. Por isso estou fazendo esta viagem antes que o bebê nasça". Conto a ele a trágica história. Os seus olhos se enchem de lágrimas. Inunda-me com a sua empatia e afeto e diz que Pedro sempre estará comigo.

Desembarcamos e entramos no hotel de selva. Trata-se de uma construção de madeira erguida sobre estacas de madeira na margem do rio, isto é, uma palafita. Os quartos são muito simples, com camas e colchões velhos, cobertos com os indispensáveis mosquiteiros. As refeições são básicas e feitas coletivamente na grande mesa da sala. Os banheiros são também coletivos.

A programação turística é basicamente a mesma que conhecera na viagem pela Amazônia brasileira: trilhas interpretativas na mata para visualização de animais e plantas; trilhas noturnas; simulação de pescarias; visualização de botos (delfines); visualização de vitórias régias.

Converso com os poloneses durante as refeições. São três amigos que viajam juntos e duas jovens, cada uma delas viajando sozinha. Um dos rapazes e as duas moças falam espanhol, o que me deixa curioso. Ele me conta que trabalha numa empresa multinacional na Polônia e tem vários colegas sul-americanos, inclusive brasileiros. No convívio com eles aprendeu um espanhol que flui surpreendentemente bem na fala desse polonês.

Passo apenas dois dias no hotel de selva. Na tarde do segundo dia deixo a região pela mesma rota: uma hora e meia de barco até Nauta e duas horas de van até Iquitos. Passo ainda uma noite na cidade e no dia seguinte pego o voo para Lima, a 1.000 quilômetros de distância por avião.














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